Viola de dois corações, Portugal

Viola da terra, pintura de Domingos Rebêlo, década de 1930

Viola de dois corações

A Viola de dois corações, também chamada viola da terra ou Viola de arame, ou Viola dos Açores, é um cordofone dedilhado tradicional dos Açores.

Situa-se no índice 32 do sistema Hornbostel-Sachs de classificação de instrumentos. É um cordofone composto, instrumento de corda que tem caixa de ressonância como parte integrante e indispensável. Nos instrumentos da categoria “cordofone”, o som é produzido principalmente pela vibração de uma ou mais cordas tensionadas.

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Segundo Manuel Ferreira, no seu livro A Viola de Dois Corações, «não há elementos concretos sobre a data de chegada da Viola dos Açores», mas não será arriscado de supor que foram trazidos pelos Portugueses com a expansão ultramarina dos primeiros que chegaram, dispostos à fixação, com carácter definitivo, no século XV.

Segundo as Saudades da Terra de Gaspar Frutuoso (1522-1591), a Viola era um objeto de elevado apreço, e os seus tocadores eram dignos de nomeada e apontados a dedo, alguns com direito a registo histórico e geral admiração.

Não há registos do(s) tipo(s) de Viola(s) que foram trazido(s) pelos povoadores do arquipélago açoriano, no entanto, podemos afirmar que as modificações organológicas sofridas por esta(s) Viola(s) através das sucessivas gerações de construtores não foram significativas ao ponto de ocasionar uma diferença substancial entre a viola da terra e suas congéneres do continente português. O aspeto, os métodos de construção e os materiais utilizados na construção da viola da terra são basicamente os mesmos utilizados nos instrumentos semelhantes do continente português.

A viola da terra apresenta semelhanças com a viola amarantina e da Viola de cabo verde: além de o aspeto geral ser muito semelhante, todas elas possuem a boca em forma de dois corações é, no entanto, com a Viola toeira, ou Viola de Coimbra, que a viola da terra apresenta maiores familiaridades, a saber: afinação quase idêntica e doze cordas de arame agrupadas em cinco ordens, três duplas e duas triplas.

Conhecida também por “viola de arame” (por possuir cordas feitas de fio de arame e não de aço) ou “viola de dois corações” (por possuir as aberturas do tampo em forma de dois corações), a viola da terra ao chegar aos Açores, toma características comuns a todas as ilhas, mantendo os seus fundamentais traços primitivos, mas aqui e acolá foi adquirindo afinações e particularidades diferenciadas. Assim, transforma-se no mais típico instrumento musical do arquipélago dos Açores, como se afirma na dissertação de Mestrado de José Wellington Nascimento.

Viola da terra, pintura de Domingos Rebêlo, década de 1930

viola da terra, pintura de Domingos Rebêlo, década de 1930

 

 

 

 

 

 

 

 

 

No entanto, só a partir do século XIX é que começaram a aparecer provas iconográficas da presença da Viola de dois corações em São Miguel – e na própria literatura de viagens.

A fixação do encordoamento nas atuais 12 cordas deve ter ocorrido no fim do século XIX e por influência coimbrã (Viola toeira).

Deste modo, mesmo a conhecer-se e a comprovar-se a sua origem continental, a Viola de dois corações constitui hoje uma peça artesanal individualizada com identidade e traços próprios, com as suas doze cordas e som característico.

Os dois modelos de viola da terra

Considera-se existir dois tipos do popular instrumento musical açoriano: a Viola de dois corações (micaelense, mas adotado pelas restantes ilhas do grupo central e ocidental) e a Viola de boca redonda (viola da terra da Terceira).

O que motivou a diferenciação dos dois modelos de Viola ainda é um mistério, pois, segundo Manuel Ferreira, minguam elementos históricos e iconográficos que possam fornecer dados concretos para uma explanação segura, salvo alguns indícios e argumentos intuitivos, sempre de difícil confirmação e em tudo dependentes do mérito e surpresas das investigações.

Viola de dois corações

A Viola de dois corações tem a caixa alta e estreita, com cintura pouco acentuada, abertura sonora ou boca geralmente em forma de dois corações unidos com as pontas para fora. O braço é comprido, com escala até à boca, rasante com o tampo, do qual se distingue pela diferença das madeiras. A escala tem 21 trastos ou pontos, dos quais 12 sobre o braço e nove sobre o tampo. Arma com 12 cordas metálicas, dispostas em cinco ordens ou parcelas – as três primeiras duplas e as outras duas triplas.

Viola de boca redonda

A viola da terra da Terceira é uma Viola de boca redonda. Tem dois subtipos: a Viola de cinco parcelas, que arma com 12 cordas, incluindo dois ou três bordões, e a Viola de seis parcelas, com 15 cordas (três parcelas de duas cordas e três parcelas de três). Ambas têm boca sonora redonda, caixa mais larga e de altura mediana, com enfranque pouco acentuado e escala até à boca, em ressalto sobre o tampo (como na Viola madeirense e no violão). Enquanto na Viola de dois corações a escala tem 21 trastos (12 no braço e nove sobre o tampo), na de boca redonda varia o número de trastos e a sua distribuição: 12 sobre o braço na Viola de cinco parcelas e dez na de seis parcelas, diferindo de construtor para construtor o número dos restantes trastos sobre os tampos.

Viola de boca redonda, ou viola da terra da Terceira

Viola de boca redonda, ou viola da terra da Terceira

Viola de sete parcelas

Além destas, há ainda a Viola de sete parcelas (18 cordas), instrumento que, pelas suas dificuldades de afinação e execução que apresenta, é pouco prática, o que explica a sua raridade.

Viola de 15 cordas

A Viola de 15 cordas, conhecida na ilha Terceira por Viola de seis parcelas, com apenas dez trastos sobre o braço e sete a nove sobre o tampo, tem o braço curto, o que, conjugado com a largura da caixa de ressonância e a extensão da pá, lhe confere um aspeto atarracado, mas elegante.

Gozando de enorme popularidade, a Viola de seis parcelas suplantou quase completamente a de cinco parcelas. A origem da Viola de seis parcelas é matéria controversa, que tem merecido atenção dos estudiosos do assunto, segundo José Ferreira Almeida. Ora a atribuem à presença castelhana nos Açores, no século XVI e XVII, ora a uma provável influência aristocrática ‘vihuela’ quinhentista ou, bastante mais próxima no tempo, à influência do violão, do qual a Viola de boca redonda teria tomado o bordão mais grave (mi) e as maiores dimensões da caixa de ressonância, aumentando assim a sua extensão e possibilidades. Ou seja, poder-se-ia considerar a Viola de quinze cordas como uma forma evolutiva da Viola açoriana de boca redonda.

Como refere José Wellington do Nascimento, ao longo dos tempos desenvolve-se toda uma construção identitária açoriana vinculada à viola da terra. Esta assume, dialeticamente, dois aspetos importantes: em primeiro lugar, a utilização do corpo do instrumento como repositório de símbolos e a tradução destes símbolos de forma a afirmar a viola da terra como expressão da identidade açoriana. Os dois corações, que segundo a explicação popular representam “o coração que parte (que emigra para o estrangeiro) e o coração que fica”; o “cordão umbilical”, que se une numa lágrima, a lágrima da saudade e que é também referida como símbolo do ás de ouro, representando a busca de fortuna na emigração e que também representam a Coroa do Espírito Santo, e por fim o cavalete com as extremidades representando o Açor, ave que terá dado o nome ao arquipélago açoriano.

A importância sociocultural da viola da terra

A Viola acabou por exercer a sua magia em todas as classes, e deixou de ser um privilégio para entretenimento de ricaços e privilegiados, quer fosse de arco ou de dedilhar, até cair no pé descalço e no âmago da alma popular, afirma Manuel Ferreira, passando a estar enraizada na sociedade rural.

A Viola era, então, largamente utilizada em rituais lúdico-religiosos, desempenhando uma função social de muita importância, ligada principalmente às práticas do camponês, raramente aparecendo só, enquanto instrumento musical, mas sempre como acompanhamento de algum ritual de religião, de trabalho ou de lazer.

A Viola foi utilizada como instrumento acompanhador do canto, das rezas e das danças, integrada organicamente na vida social, segundo afirma Wellington de Nascimento. Manuel Ferreira corrobora esta afirmação dizendo que não havia aldeia ou vila que não se orgulhasse dos seus construtores e tocadores, de datas aprazadas para o Entrudo e Páscoa, para as festas do Espírito Santo e do Natal, com matanças e janeiras, de porta em porta.

Folia das festas populares do Divino Espírito Santo, Ilha de São Miguel, Açores. Postal ilustrado circulado entre 1911 e 1914. Não admira, portanto, o lugar de primazia por ela conquistado no Cancioneiro Popular Açoriano, como lenitivo e último recurso nas horas de amargura, sacudindo o espantalho da solidão e angústia.

Mais do que nos velhos romances e aravias – é na quadra espontânea e cadenciada, ora viva ora dolente entre «rasgados» e «ponteados» bem dedilhados, em milhares de versos cantados ao sabor do momento e transmitidos de geração em geração, de boca em boca e de ilha para ilha, que se descobre o mais puro manancial da alma popular.

No Cancioneiro dos Açores contam-se por centenas as quadras de referência e louvor ao apreciado instrumento, de permeio com outras de profundo lirismo, exaltando o Amor, a Mulher a Saudade.

Fonte: Agenda Açores

2 de outubro é o Dia da viola da terra, a Viola de Dois Corações.

Reciclanda, instrumentos sustentáveis

Reciclanda, música e instrumentos para um planeta sustentável

Reciclanda é um conceito musical inovador que contribui para o cumprimento dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) e das metas de reciclagem de embalagens, promovendo a sustentabilidade desde idade precoce até idade avançada através da reutilização musical, com sessões, oficinas, formações e exposições. Promove o desenvolvimento global, a inclusão e a reabilitação a partir de eco-instrumentos, do ritmo, do jogo e das literaturas de tradição oral.

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