braguinha
por Manuel Morais
O termo
braguinha, usado na ilha da Madeira para designar o Machete ou Machetinho, aparece em 1887, num poema dedicado à “Dança das Espadas” na Ribeira Brava, onde se lê:
“[…] E depois a musicata / Que precede aquella dança! / rajão, Viola, pandeiro / Instrumentos de chibança; / E o clássico braguinha; / Oh que bella fadistança.”.
O vocábulo
braguinha aqui usado, é resultante da simplificação da designação de “Machetinho de Braga” ou “Machete de Braga”, que vamos encontrar em textos e manuscritos musicais no Funchal, entre 1899 e 1904, para indicar este
cordofone de mão, ou de cordas dedilhas.
São muitas as gravuras, coloridas (ou não), desenhos aguarelados ou guaches, onde se mostram as características morfológica deste pequeno
cordofone de mão: caixa, ou corpo, em forma de oito, braço longo que termina por um cravelhal contendo quatro cravelhas dorsais, que servem quatro cordas.
Grupo de vilões em Santa Catarina, Andrew Picken, 1840
Uma das representações mais belas e importantes foi publicado no livro de
Andrew Picken (1788-1833), ” Madeira Illustrated”, dada à estampa em Londres no ano de 1840, intitulado “Funchal From Saõ Lazaro”.
Numa gravura, não menos bela, publicada no livro do médico inglês Michael C. Grabham (fl. 1869-70), Londres 1870, sob o título “Funchal, from the Palheiro road”, o pequeno e peculiar instrumento é aí representado.
“Ainda que a iconografia possa ser um complemento importante para o estudo organológico e morfológico dos diferentes tipos de instrumentos madeirenses de corda dedilhada, devem ser tomados com bastante cautela, em virtude de muitos destes desenhos/gravura nem sempre reproduzem fielmente a realidade local, nem os seus autores serem peritos em música”.
Ainda que muito importantes, estas representações iconográficas valem o que valem, mas não podem ser tomadas como uma verdade irrefutável. Daí que teremos de buscar outras modos de fixação da realidade factual, como é o caso da fotografia, em pleno desenvolvimento neste século de 1800.
Numa fotografia (de um fotografo funchalense) da bela imperatriz da Áustria, Elizabeth (1837-1898), conhecida por Sissi, que esteve por duas vezes na Madeira, onde na primeira, em Novembro de 1860, posou com as suas damas de companhia, empunhando um machete (construído por Ocataviano João Nunes) que teve a possibilidade de tocar e estudar com o “hábil machetista”, Cândido Drumond de Vasconcelos (fl. 1841-1875).
“Last but not least”, é a descoberta de um,
conjunto de fotografias, datadas de 1860, das três irmãs inglesas, Alice, Lorina e Edith Liddell, fotografadas por Lewis Carroll. Dois tipos de Machete ou Machetinho aí se monstram: dois de escala rasa com o tampo e outro de escala em ressalto.
Ainda que para alguns madeirense lhe custe aceitar que o Machete não era um instrumento exclusivo da ilha da Madeira, muitos documentos, onde incluo-o estas fotografias, são prova irrefutável desse facto: que o pequeno e peculiar
cordofone de mão era tocado “gozado e abusado” fora da “Perola do Atlântico”. As três “mininas” inglesas disso fazem prova, juntando que estão vestidas com roupas bordadas e com rendas madeirenses, vestidos esses que são usados por uma classe da alta burguesia inglesa.
Mas o que é exclusivo do arquipélago da Madeira – único em toda a macaronésia, como também no Continente, no Brasil e em todos os longínquos lugares onde este pequeno “quatro” se usa – é o seu repertório único e tão diversificado de obras escritas por um grupo de compositores funchalenses, fixadas em manuscritos, compilados entre ca. 1840 a 1904, sejam para ser tocadas a solo, em duo, em trio, acompanhado pela
Viola francesa ou violão, acompanhando o canto (com letras em português e em inglês).
Este “milagre” é resultante da terrível tísica que assolou todo o século XIX e parte da centúria seguinte, e que teve como destino curativo a bela e esplendorosa ilha da Madeira, que como diz a letra do fado composto por Reynaldo Varela, por volta de 1900 : A Madeira é um encanto / Bela cidade é o Funchal / Do oceano é a pérola / A joia de Portugal.”.
P.S.: Lewis Carroll, cujo nome é Charles Lutwidge Dodgson (Daresbury, 27-I-1832 — Guildford, 14-I-1898), foi, além de fotógrafo de renome, um romancista, poeta e matemático britânico. Leccionou matemática no Christ College, em Oxford, e é mundialmente famoso por ser o autor do livro “Alice no País das Maravilhas” e dos poemas presentes nesse livro, além de outros escritos em estilo “nonsense” ao longo de sua carreira literária, sendo considerados pelos críticos, em função das fusões e da disposição espacial das palavras, como precursores da poesia de vanguarda.