Instrumentos de São Tomé e Príncipe
Instrumentos de São Tomé e Príncipe
Em São João dos Angolares, existe uma oficina que realiza um trabalho de reparação, fabricação de instrumentos musicais e formação que pode vir a tornar-se de grande importância para o país: a Zângoma.
O projeto “Instrumentos musicais de São Tomé e Príncipe: pesquisa e formação”, realizado por Manga-Manga, Agro N’Golá e João Carlos Nezó, foi cofinanciado pelo DIVERSDIDADE – Instrumento de financiamento para a diversidade cultural, cidadania e identidade no âmbito do PROCULTURA, ação financiada pela União Europeia, cofinanciada e gerida pelo Camões, I.P. Instrumento gerido em parceria com a EUNIC – Rede de Institutos Culturais e Embaixadas da União Europeia.
Nando Fonseca comentou na página oficial da Zângoma: “O tambor não é apenas madeira e pele — é memória viva. Cada batida é uma oração, cada ritmo uma ponte entre mundos. Em São Tomé e Príncipe, especialmente entre os Angolares, fabricar tambores é mais do que arte: é reconstruir a alma do povo. Que esta iniciativa seja reconhecida como sagrada — pois o tambor fala com os ancestrais, cura os esquecidos e desperta os jovens. Num tempo em que muitos se perdem nos ecrãs e no consumo, o som do tambor chama-nos de volta à nossa origem. Parabéns por manter viva a vibração que conecta o céu e a terra. Que estes instrumentos ecoem por toda a África — transformando a dor em luz.”
Percussão
A percussão desempenha um papel central na música santomense, com vários tipos de tambores.
Huémbé / Zambumba / bombo
tambores de dimensão grande, geralmente com duas peles pregadas, produzem um som grave. O Zambumba mede cerca de 0,65m de diâmetro.
Léplica
Tambor de dimensão pequena (com duas peles), é responsável por um som mais agudo.
Tabaque
Tambor de tamanho médio, pode ter apenas uma pele amarrada (em vez de pregada). É um instrumento que se admite ter sido introduzido por escravos africanos, nomeadamente senegaleses.
Mussumbá
bombo de tamanho menor do que o zambumba, em franco desaparecimento.
Instrumentos de sopro
Pitu dóxi
Flauta tradicional simples, é um apito tipicamente feito de bambu.
Conéta Pó Mamon
Instrumento de sopro peculiar, é feito a partir de um ramo do mamoeiro (corneta de pau-mamão). O seu som assemelha-se ao de um trombone ou trombeta e é frequentemente usado em géneros como o Socopé e o Ússua.
Instrumentos de corda
Bimbá
Instrumento de corda tradicional em vias de extinção, é formado por um arco com um fio que é tocado em contacto com os lábios do músico.
Viola, Bandolim, violino
Instrumentos de corda de origem europeia foram introduzidos durante o período colonial e rapidamente se integraram nos conjuntos musicais tradicionais, como os grupos de Ússua e outros.
Outros instrumentos
Canzá
Canzá é um idiofone de fricção (semelhante ao reco-reco), feito de bambu ou de rama de coqueiro. Tem provável origem nos povos Bantu.
Ferrinho
É feito de uma chapa de zinco e dois ferros (não costuma ultrapassar 25 cm). O Ferrinho é percutido para criar ritmo, sendo um instrumento sem altura definida.
Nguipá
Uma espécie de canoa em miniatura, feita escavando um tronco de madeira e cobrindo-o parcialmente.
Instrumentos e bandas
por Lúcio Neto Amado
Vários foram os instrumentos musicais utilizados pelas bandas, pelas tunas e pelos conjuntos ao longo dos tempos. Assim damos a conhecer o nome e a descrição de alguns desses instrumentos, a partir da recolha feita por Fernando Reis (1969) e Carlos Santo (1998), a saber:
1. Huémbé (bombo) – É um bombo de duas peles e mede de diâmetro 0,4 a 0,55 m;
2. Léplica (tambor) – É um tambor que tem igualmente duas peles;
3. Pitu dóxi (apito) – É uma flauta feita de bambu;
4. Canzá – É feito de bambu ou rama de coqueiro. A origem provável deste instrumento provém dos povos de origem Bantu, principalmente Angolanos que demandaram São Tomé e Príncipe;
5. Zambomba (bombo) – É um bombo de duas peles e mede de diâmetro 0,65m;
6. Mussumbá – Em franco desaparecimento, é um bombo de tamanhos menores aos do zambomba;
7. Tambolo (tambor) – Este instrumento serve para aquecer as festas e é feito de duas peles;
8. Tabaqui (tambor) – É também um tambor, que mede de diâmetro cerca de 0,2 m e é feito de uma só pele. Admite-se que este instrumento tenha sido introduzido em São Tomé e Príncipe pelos escravos africanos, principalmente senegaleses;
9. Malimboqui – É um instrumento que se constrói do seguinte modo: depois de se ter apanhado no obó o fruto de malimbóqui, extrai-se os seus resíduos internos. É posto a secar ao sol e em seguida deita-se no interior grãos de quiabos;
10. Sacaia (cabaça) – É uma cabaça repleta de grãos de salaconta18;
11. Nguené – É uma imitação de guitarra dos angolanos, formato de flecha, apoiado num pedaço de cabaça;
12. Conéta Pó Mamon (Corneta de pau-mamão) – O som assemelha-se ao do trombone; um dos vários instrumentos utilizados no socopé e é feito de um ramo de mamoeiro;
13. Bandolim, Viola, Violino, Flauta, N’gaeta (gaita de beiços) – Estes instrumentos foram introduzidos nas Ilhas ao longo da colonização.
A origem provável desses instrumentos é a Europa, a Índia e os países árabes.
É de salientar, contudo, que as autoridades coloniais tinham proibido a utilização de alguns desses instrumentos em público e em privado. Acerca dessa proibição o governador-geral da ilha do Príncipe (1807)19 é peremptório quando, utilizando una nota como instrumento com força de
lei, determina e manda publicar o seguinte:
“Ordeno que dentro da cidade se não possa tocar batuques, nem qualquer instrumento rústico que cause detrimento e incómodo ao povo, nem se possam fazer danças ao som de bastões, ou pancadas em paredes, cadeiras ou mesas, ficando desde agora por diante prohibidas todas as danças rústicas dentro da cidade depois do toque de recolher, e tudo isto debaixo das penas impostas a meu arbítrio”.
Conjuntos no Arquipélago
por Lúcio Neto Amado
A história dos conjuntos musicais são-tomenses perde-se no tempo. É uma história contada, ao pôr-do-sol, pelos anciãos [que constituem uma autêntica biblioteca], prática que ainda continua a fazer fé nos «compêndios» da nossa memória colectiva. São momentos em que ouvimos falar de conjuntos já extintos e cantamos as músicas mais emblemáticas que os celebrizaram num tempo e num espaço que não propriamente o nosso.
Os conjuntos musicais do arquipélago de São Tomé e Príncipe surgiram, grosso modo, no decorrer do século XIX, arregimentados, inicialmente, como bandas filarmónicas, evoluindo posteriormente para agrupamentos musicais, grupos musicais, tunas e conjuntos musicais.
Os missionários desempenharam um papel fundamental na implementação do ensino e divulgação da música em São Tomé e Príncipe a partir da segunda metade do século XIX.
O «Boletim Official do Governo de S. Thomé e Príncipe», que saiu a lume a 3 de Outubro de 1857, traz uma Portaria Real, assinada em Lisboa a 9 de Janeiro de 1857 por Sá da Bandeira, que faz referências ao trabalho desenvolvido pelo Padre João Constantino de Melo, Vigário da Igreja da Conceição, relativamente a actividade desenvolvida por esse missionário no sector do ensino e pro
moção cultural de S. Tomé.
Para além da introdução de disciplinas como o francês e outras, o Padre João Constantino de Melo anuncia também como prioritária a fundação de uma Academia Musical pois, “(…) falla-se em instituir aqui uma associação d’esta natureza, que se encarregará de mandar vir de Lisboa um professor de música, para se organizar uma filarmónica. Ainda se vai mais adiante a associação terá também um Theatro, dizem”.
Contudo, alguns estudiosos da história são-tomense assinalam que o primeiro conjunto musical de São Tomé e Príncipe terá surgido nos finais do século XIX em 1883.
A internacionalização dessa banda terá sido dois anos mais tarde, aquando da sua participação num evento musical organizado na Europa.
A este propósito, António Ambrósio relata que é “… de assinalar, por exemplo, o caso do Padre Luís José da Silva fundador da primeira banda de música de S. Tomé e que na Exposição de Antuérpia, em 18854, conseguiu tão elevado êxito internacional”.
É ainda de Ambrósio o relato que aponta o Monsenhor e Cónego José Simões da Siva5 (1880-1891) como sendo um missionário do Real Colégio de Cernache do Bonjardim que desembarcou em S. Tomé em 1880. Empenhou toda a sua vida na restauração da Diocese e no desenvolvimento cultural do povo santomense, nomeadamente no campo do Ensino nas Escolas. A ele, e ao seu colega Luís José da Silva, se deve a fundação da primeira Banda de Música de S. Tomé e Príncipe, que tantos aplausos recolheram em Antuérpia em 1885 e cuja instituição está ainda na base da actual cultura santomense. António Ambrósio conclui que “(…) se como simples missionário prestou magníficos serviços não só fundando com o seu colega, Luís José da Silva, a música indígena de S. Tomé, mas ainda concorrendo com o seu operoso zelo para o brilhantismo das festas realizadas na mesma cidade…”.
Outros missionários ajudaram a reorganizar, no início do século XX, Bandas de Música surgidas ainda na segunda metade do século XIX. A Vila da Trindade parece estar na vanguarda dessas iniciativas de carácter cultural desenvolvidas pelos sacerdotes. São dignas de menção as seguintes prestações dos missionários, de acordo com a descrição feita por António Ambrósio:
– Padre António Pires Marques (1899-1967). Foi um sacerdote [Superior Maior da «Missão Católica» da Trindade] que desenvolveu um trabalho notável no âmbito da assistência social e “… ficou-se-lhe a dever a reorganização da Banda de Música que ele próprio ensaiava e dirigia…”.
– Padre Manuel Joaquim Esteves (1908-1967). O texto diz que “… seja-nos permitido destacar, na Trindade, a reorganização da Banda de Música que ele próprio ensaiava e dirigia…”.
– Padre António Vieira Fernandes (1917-1971). Nomeado Pároco da Vila da Madalena, que, no entanto residia na Vila da Trindade, onde “… aqui, dirigiu, durante cerca de dois anos, a Banda de Música…”.
Outros agrupamentos musicais que foram surgindo ao longo do século XX tiveram igualmente grandes êxitos nas ilhas e também fora de portas.
As suas actuações, cujas datas não são precisas, foram realizadas em cidades como Paris [a convite do Príncipe Regente de Portugal D. Luís Filipe] e Viena de Áustria. O início do século XX terá sido, provavelmente, a época da massificação musical, altura em que começaram a surgir, um pouco por todo o lado, agrupamentos musicais, no quadro da evolução histórico-cultural e de uma nova conjuntura com o início do novo século.
Na ilha do Príncipe, os grupos musicais surgiram, “… nos princípios dos anos 30 do século XX….//… Os grupos musicais mais destacados da época, eram; Luz Africana, Estrela Azul, Grupo Musical do Sporting e Grupo Musical de Benfica”. Silvestre de Barros Umbelina sublinha que estes agrupamentos musicais estavam associa dos aos clubes desportivos existentes naquela época.
É provável que esses grupos musicais estivessem para a ilha do Príncipe, tal como os conjuntos Uémbé e Buzilense, estavam para a ilha de São Tomé. Na década de 60 e 70 do século XX, conjuntos como “Os Untués”, “Mindelo”, “África Negra”, “Os Leonenses”, actuaram em Lisboa e em Luanda, demonstrando um trabalho de qualidade, feito por indivíduos voluntariosos e amadores que não tinham qualquer formação musical, constituindo esse facto um grande bloqueio à conservação e posterior evolução da música são-tomense, pois é através de uma escola ou de uma academia de música que se consegue aprender com rigor, perpetuando e transmitindo a outras gerações a grandiosidade da música, tocada e apreciada nas ilhas.
É de salientar que entre 1920 e 1969 os elementos dos conjuntos musicais são-tomenses sabiam todos ler e tocavam através de pautas. Os elementos da banda da polícia, que tinham um estatuto paramilitar, são os únicos que até à presente data aprendem a ler, com rigor, as pautas musicais para actuarem em desfiles militares e procissões, seguindo uma prática tradicional antiga.
Nos finais de 1960 o conjunto “Leonino”, dirigido por Quintero Aguiar, era dos poucos que ainda tocavam utilizando pautas musicais, um feito nunca mais conseguido por gerações que os sucederam. A aprendizagem era feita, através dos músicos que integravam as bandas de música da polícia, as bandas musicais dos missionários católicos residentes nas ilhas e também por autodidactas, estudiosos e outros músicos amadores são-tomenses, [fruto da carolice] mais persistentes.
O panorama de formação dos músicos não é melhor na actualidade: “… regra geral, pode apontar-se aos conjuntos musicais em actividade, para além das insuficiências aduzidas, algumas outras que lhes condicionam sobremaneira o trabalho:
– Falta de equipamentos e má qualidade dos existentes.
– Ausência de formação específica. – Baixo nível académico e cultural.
– Insuficiente nível de audição de música de qualidade produzida externamente.
– Empirismo absoluto na utilização dos equipamentos, em particular no que se atém à selecção de sons e dos instrumentos a utilizar por cada género musical.
– Despreocupação face à investigação e estudo da música.
– Ausência de intercâmbio com o exterior.
– Fraco nível cultural da própria sociedade, despida dos meios consubstanciadores da massa crítica nos seus diversificados domínios”.
Lúcio Neto Amado
Fontes
Albertino Bragança (2005) “A Música Popular Santomense”, Edição da UNEAS (União Nacional dos Escritores e Artistas de S. Tomé e Príncipe), 1.ª edição
António Ambrósio (1984), “Subsídio para a História de S. Tomé e Príncipe”, Livros Horizonte, Lisboa, Portugal.
Fernando Reis (1969) “Pôvô Flogá – Povo Brinca”, Folclore de São Tomé e Príncipe, Edição da Câmara Municipal de São Tomé.
Silvestre de Barros Umbelina (2012) “O Percurso da Ilha do Príncipe”, 1.ª Edição, São Tomé e Príncipe











